Thursday, October 18, 2007

Homem Morto

"The ancient tradition that the world will be consumed in fire at the end of six thousand years is true, as I have heard from Hell. For the cherub with his flaming sword is hereby commanded to leave his guard at the tree of life, and when he does, the whole creation will be consumed and appear infinite and holy whereas it now appears finite & corrupt. This will come to pass by an improvement of sensual enjoyment. But first the notion that man has a body distinct from his soul is to be expunged; this I shall do, by printing in the infernal method, by corrosives, which in Hell are salutary and medicinal, melting apparent surfaces away, and displaying the infinite which was hid. If the doors of perception were cleansed every thing would appear to man as it is, infinite."
-William Blake, The Marriage of Heaven and Hell-

Tuesday, October 16, 2007

Frustração - a tragicidade das aparências

"Não tenho nada para fazer. Saio de casa com 10 euros no bolso das calças, uma tesoura de cortar as unhas e uma soqueira de plástico no bolso esquerdo do casaco Lonsdale, que comprei no Colombo há duas semanas. Apetece-me acção. Brigar, foder, fugir. Qualquer coisa que me acorde e me obrigue a dar valor ao aborrecimento do quotidiano. Reaprender a viver em sociedade. Procuro um qualquer bar cheio de gente e entro. Sento-me numa mesa perto do balcão. Peço uma Super Bock média. Sem nunca desviar o olhar primeiro, mantenho contacto visual com toda a gente, deixando sempre transparecer uma expressão neutra. Às mulheres que olham mais do que uma vez, sorrio. Existem muitos homens há minha volta. Muitas caras feias e bonitas, convencidos, limpos por fora e porcos por dentro – o tipo de gajos que as mulheres adoram mas que não aparecem em películas americanas. Sinto-me enganado por Hollywood. Sinto-me enganado pela puta da minha mãe que sempre me disse para ser simpático para as raparigas. De vez em quando, vou espreitando o grupo de quatro rapazes que estão na mesa ao fundo do bar, junto à mesa de bilhar. Todos na casa dos 25. Todos com aspecto de engatatões, mas não do tipo solitário ou original que românticos como eu têm tendência a admirar. Não, estes não têm uma réstea de carisma. São estandardizados, vestem roupa da Pull and Bear e têm cristas como a do Cristiano Ronaldo. Peço outra Super Bock média. Das colunas atrás de mim alguém nos ordena a ser a geração do amor. A geração do amor já passou. Talvez nunca tenha existido. Talvez seja tudo estético e nada seja realmente sentido. As mulheres na mesa ao lado olham para mim com desprezo. Têm corpos bons mas a maioria delas são feias. São pouco femininas. Aliás, as poucas mulheres desta cidade que sejam femininas, com cara bonita e um corpo bom vão-se embora mal tenham 18 ou 19 anos. Só ficam as adolescentes à espera de engravidar, ucranianas ou gajas de aldeia, ignorantes do caralho que nunca ouviram falar de Kid-A ou de Fausto. Eu também nunca ouvi nem nunca li nada disso, mas conheço o suficiente para manter uma conversa interessante. Sinto-me frustrado. Cresci a pensar que ia ser alguém na vida – sucesso na carreira, uma mulher bonita, casa branca nos subúrbios, um carro desportivo para mim e um utilitário familiar para ela, dois ou três filhos, televisão por cabo, piscina de plástico, essas merdas todas. Tenho 28 anos de idade e não tenho nada disso. Estou sozinho, o meu pai morreu há três anos, a minha mãe quero que se foda, a minha irmã não falo com ela desde a morte do meu pai, devido à cena que fiz no hospital. Tenho raiva de quem é feliz. Também eu fui feliz em tempos. Aprendi da forma mais difícil que quem é feliz mente e muitas das vezes ilude-se a si próprio. Estupidamente idealista, recusei-me a jogar o jogo, a entrar na farsa. Agora estou zangado comigo e com o mundo e pretendo demonstrá-lo. Levanto-me em direcção à casa de banho (detesto quem diz WC) e, sem querer, entorno um bocado da cerveja para o braço de um dos gajos na mesa do fundo. Ele reage violentamente com um “Olha aí, caralho!”, olho para ele e imploro-lhe “Dá-me um murro”. Tenho um sentido de justiça bastante acentuado, não sou capaz de bater em alguém sem ter a Razão do meu lado. Ele dá-me uma cabeçada no nariz. Fico a ver preto durante três ou quatro segundos. Cuspo-lhe na cara. Olho para ele uma segunda vez e noto que tem os braços desenvolvidos, provavelmente devido às infindáveis sessões de ginásio. Saio do bar e, graças a Deus, reparo que ele vem atrás de mim. “Queres mais, é?”. Estou agora no chão, a levar pontapés. Sem o induzir, vem-me à cabeça todos os animais que são torturados, todas as mulheres que são violadas, todos os manifestantes que são presos, todos os homossexuais que se suicidam. Tudo porque pessoas como esta simplesmente não querem saber. Tudo vem até mim. Não sou pessoa de brigar com murros. Levanto-me do chão de calçada, agarro-lhe no braço e mordo-lhe o dedo mindinho, arrancando-o e cuspindo-o no chão. Ele começa a chorar. Eu também. Meto-lhe as mãos dentro da boca e forço a abertura, rasgando-lhe os lábios. Agarro na tesoura que trouxe de casa e espeto-lha no olho direito, porque julgo que é esse o olho que ele usa para piscar às mulheres. Os amigos vêm agora em seu auxilio, para me dar a maior tareia que já levei na vida. Desmaio, completamente inconsciente, enquanto ouço alguém gritar "Chamem a polícia!". A dor que deveria sentir é sobreposta pelo rancor que sinto à crueza da humanidade e pela extrema felicidade que sinto na alma quando tenho aquele ultimo glimpse da cara completamente desfigurada do meu adversário."

Wednesday, October 3, 2007

Quotidiano Eborense

Tive hoje a minha primeira aula de Oficina de Prática Dramaturgica e Interpretação, com a professora Cristina Carvalhal, uma actriz e encenadora que vocês devem conhecer como a Laura que participou na série "Jornalistas", que passa actualmente na SIC Mulher. Ela pediu-nos para escrevermos o que quiséssemos sobre o nosso dia como trabalho de casa, para apresentarmos na próxima aula. Este é o meu trabalho, baseado no meu dia de hoje:

Évora, dia 3 de Outubro, 2007 anos depois do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo, é um local muito especial para se estar. Vou-me apercebendo disso à medida que caminho sozinho pelo Largo Álvaro Velho, onde há uns dias atrás fui almoçar com a minha turma num restaurante chamado D. Quixote. Apetece-me dizer mal da Cristina (uma gaja da minha turma..) mas a única coisa que me vem à cabeça é uma trivialidade curiosa, que eu julgo ter visto no Biography Channel – Sigmund Freud, o famoso psicanalista, aprendeu espanhol para poder ler o D.Quixote no idioma original. Agora que penso nisso, talvez o tenha lido num daqueles suplementos que vinham com a revista Super Interessante. Mas isso agora não interessa para nada. Continuo a caminhar, em direcção à Praça do Giraldo. Paro num café chamado Zoka, perto da Igreja Meninos da Graça, onde o empregado, um daqueles homossexuais de armário provavelmente ressentido com o pai que lhe tocava quando criança, pede-me 2 euros por uma mini Carlsberg. Pago-lhe e prometo por amor de Deus nunca mais ali voltar. Porém, decido aproveitar e peço o jornal do dia. Ele traz-me o Correio da Manhã. Leio sobre a vitória do grande Sporting e sobre o caso da pequena Maddie – para variar, nada de novo. Na mesa ao lado, uma rapariga com uma cara que me faz duvidar da piedade de Deus, vai olhando insistentemente para o telemóvel. Deixo-me ficar por ali, à espera de uma iluminação ou algo que me entretenha até às 8 da noite, que é quando eu vou jantar.
Passam neste momento quinze minutos depois da sete da tarde. Estou aborrecido e não tenho mais nada para fazer a não ser olhar para as raparigas que passam na rua - principalmente para aquelas que nem sequer reparam em mim. À mesa ao lado chega mais uma rapariga, com não mais do que 15 ou 16 anos. Ouço a conversa delas que é mais ou menos assim:
- Desculpa o atraso, não deu mesmo para chegar mais cedo. Eu queria mandar-te uma mensagem a avisar que ia chegar um bocado tarde, mas não dava mesmo. Estava na explicação, vou ter teste de Química daqui a duas semanas e a mulher queria que eu ficasse lá mais tempo porque estava a dizer que eu ainda tinha muitas dificuldades em certas partes da matéria. Então e tu, que é que contas? Tens estado aqui sozinha? – entretanto vai mexendo o café que pediu mal chegou, apesar de não ter metido açucar. Achei isso no mínimo curioso, é como se fosse um reflexo incondicionado.
A amiga responde-lhe:
- Não, achas que sim? Estive aqui com um bocado com o Miguel. Foi-se embora há 5 minutos ou assim, acho que foi para o ginásio.
Obviamente, ela estava a mentir. Estou aqui há mais de quinze minutos e ela esteve sempre sozinha.
- Qual Miguel? – pergunta-lhe.
- O Miguel que andava lá na escola o ano passado. Costumava andar com o grupo da Ana Vicente e do Matias. Sabes?
- Não estou a ver quem é… - responde-lhe a amiga, que bebe o café de uma só vez e faz uma careta própria de quem não está habituada a beber café sem açucar -...não é o Migas da Joana, pois não?
- Não, parva! Achas mesmo que esse vai ao ginásio? É melhor esquecer… - reparo que ela tenta desesperadamente mudar o rumo da conversa - …quem é aquele gajo que vinha aí contigo?
O resto da conversa já não ouvi.
Apetece-me fumar algo, nem que seja um cigarro. Depois lembro-me que os cigarros, além de provocarem o rápido envelhecimento da pele, causam mau hálito e mais uma meia centena de contratempos. Peço antes um copo de água e saio da esplanada, agora sim, em direcção à Praça do Giraldo. Chegado à Praça do Giraldo ouço um grupo de cerca de quinze caloiros a anunciarem alto e em bom som que o curso da UE com mais alegria é o curso de Economia. Vou pensando no quão alegres eles devem realmente estar, com penicos na cabeça e caras pintadas de cor-de-rosa. Tenho pena daqueles pobres bastardos - pensar que muitos deles vão passar o resto da vida à frente de secretárias, a fazerem contas de calculadora super-complexas e a alimentarem o sonho de, nem que seja por um só dia, virem a experimentar a verdadeira alegria de viver. Tiro o telemóvel do bolso para ver as horas, tenho uma mensagem recebida da Susana, uma estudante de Enfermagem que conheci no dia das matrículas, a perguntar-me o que é que vou fazer hoje à noite. Vou ponderando naquilo que hei-de responder enquanto me sento no Papasandes e peço uma tosta de carne assada e uma Super Bock média...